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ARTE POPULAR DO BRASIL

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José Bezerra

José Bezerra nasceu em 1952 na cidade de Buíque, interior de Pernambuco, onde o Sertão confina com o agreste. José foi lavrador, jóquei de carreiras improvisadas, trabalhador braçal, carreiro e tantas outras atividades a que a pobreza obriga. Matou bichos para comer, derrubou árvores para fazer lenha, coisas que hoje o infelicitam e que tenta expiar pela arte.


Há cerca de dez anos, José teve um sonho em que era chamado a realizar os trabalhos que faz hoje em dia. Deveria tornar-se artista. A partir daí ele passou a olhar as madeiras que o cercavam e a intervir nelas. José não esculpe de forma tradicional, atuando sobre um bloco de madeira de modo a alcançar uma forma definida. Procura ver uma figura que já se insinua no lenho – em geral, umburana, seu tronco, galhos e raízes – e trazê-la à tona com a intervenção rude de um facão, grosa, formão e serrote.


Para ele, se trata de alcançar uma figura e simultaneamente manter seu vínculo com a madeira bruta de que partiu e com os instrumentos e gestos que nela agiram. Essa decisão confere a suas esculturas uma intensidade incomum. José trabalha em geral com toras retorcidas, típicas da vegetação do lugar, como é o caso da umburana. A definição oscilante das figuras se une à tortuosidade da madeira, e essa relação faz com que percebamos formas que parecem lutar para emergir, em meio ao embate entre a matéria vegetal e a intervenção escultórica rude e parcimoniosa. Vem daí a expressividade singular de suas obras. Seus bichos, corpos e rostos não têm a doçura de grande parte da chamada arte popular, feita de afeto e familiaridade com os materiais.


Quando fala de sua arte, o artista enfatiza o papel da imaginação no que realiza. Assim, a importância que atribui ao ato de ver imagens em troncos e galhos que acha pelos arredores de seu sítio encontra na imaginação um elemento que afasta suas peças de um realismo singelo. Para José Bezerra, ver significa abrir a matéria natural, a madeira, para possibilidades que a afastem de uma identidade preguiçosa consigo mesma, bem como de um uso apenas instrumental.


A natureza que se depreende de suas obras tem uma vida intensa, uma energia inesgotável e atormentada. Ela lembra as descrições que Euclides da Cunha faz da região de Canudos, na primeira parte de Os sertões, “A terra”: “(…) árvores sem folhas, de galhos estorcidos e secos, revoltos, entrecruzados, apontando rijamente no espaço ou estirando-se flexuosos pelo solo, lembrando um bracejar imenso, de tortura, da flora agonizante…”.


Mas a expressividade angulosa de seus trabalhos advém da compreensão de que o próprio meio que contribuiu decisivamente para o surgimento de seu trabalho — a região do Vale do Catimbau e as atividades rurais que lá se desenvolvem — está prestes a ser posto abaixo pelas mudanças aceleradas nas relações econômicas do país. Além disso, o escultor parece intuir como poucos a extensão da tragédia que ronda todo o planeta, as ameaças que a natureza enfrenta em escala mundial. Como todo grande artista, José Bezerra vê longe e perto.